quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Linguagem Simbólica na Liturgia

                “Os sinais, importantes em qualquer ação litúrgica, devem ser empregados de maneira viva e digna, com o pressuposto duma catequese adequada. As adaptações previstas na Constituição Sacrosanctum Concilium e nas normas pastorais posteriores são indispensáveis para se conseguir um rito acomodado a nossas necessidades, especialmente às do povo simples, tendo-se em conta suas legítimas expressões culturais”. (Puebla, 926)
            A antropologia afirma que o ser humano é simbólico por natureza e, sendo simbólico em sua manifestação essencial, ele é ritual. Aristóteles dizia: “Nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos”. O ser humano não dispensa a corporeidade, ele precisa captar noções através dos sentidos corpóreos e exprime-se mediante sinais sensíveis. Em outras palavras, para raciocinar acertadamente, precisamos olhar, ouvir, apalpar... Isso é particularmente verídico na Liturgia: ela consta de palavras, gestos, objetos que devem levar as mentes a passar do visível ao invisível. O Concílio Vaticano II muito contribuiu para valorizar a Palavra nas celebrações litúrgicas; todavia é preciso lembrar que a Liturgia não é simplesmente uma catequese, mas, uma ação sagrada; é, sim, a perpetuação da obra redentora de Cristo mediante palavras, gestos e objetos simbólicos.
            Usamos símbolos para tudo: para expressar nossa alegria pelo aniversário de alguém querido (o presente); para expressar nossa adesão a um time de futebol ou a um movimento (camisa); O recurso aos símbolos religiosos é espontâneo ao ser humano, independente do seu Credo: há palavras sagradas, cantos sacros, objetos consagrados, refeições rituais, festas religiosas... Tenha-se em vista o sábado judaico, com seus ritos, suas preces... que tornam o judeu mais consciente da sua pertença a um povo escolhido. Na Liturgia católica, diz o Concílio Vaticano II, “os sinais sensíveis significam e realizam a santificação do homem e a glorificação de Deus” (SC, 7). Para os cristãos, o sinal que realiza o que assinala, é, por excelência, o Cristo Jesus, a Palavra feita carne é contemplada, apalpada pelos Apóstolos, como diz São João em Jo 1, 1-4.
            Portanto, o símbolo é insubstituível também na linguagem teológica. Ele é diferente do simbolizado (Deus). Ele o esconde e ao mesmo tempo o revela. É uma realidade humana, visível, que exerce uma função mediadora e comunicadora ao remeter-nos àquele que ele simboliza, Deus. O símbolo nos envia a uma realidade ou conteúdo que não conseguimos, de forma alguma, representar. Permite-nos adequar o inefável ao nosso nível de conhecimento: aquilo do qual não poderíamos ou não saberíamos dizer nada. O símbolo não se explica, ele é a epifania, manifestação, de uma experiência profunda, diante da qual só nos resta calar.
            A época em que vivemos traz consigo uma mistura de características e tem uma linguagem própria. Essa linguagem repete aquilo que é a pós-modernidade: um período de rápidas transformações, marcado pelos valores do mercado, pela competição, pelo desejo de lucro; tudo é calculado cientificamente, e somente o que passa pelo crivo da racionalidade é levado à sério. É um período em que tudo gira em torno do “eu”, dando margem ao individualismo, ao egocentrismo, ao narcisismo, ao subjetivismo, ao liberalismo. Há uma busca pela especialização e, com isso há também a fragmentação do ser humano, que já não tem a noção do todo. Vivemos uma mudança de época.
            Por outro lado, há uma intensa busca pelo místico, pelo desconhecido, pelo sagrado, mas, determinada ora pelo subjetivismo, ora pelo emocionalismo, ou seja, pelo desejo de autossatisfação. Não se busca o sagrado pelo sagrado, mas se quer somente a sensação de bem-estar pessoal.            Os símbolos, neste contexto, perdem o seu significado.
            Na liturgia, o Deus eterno e sempre novo é o centro, e não o “eu”, histórico e limitado. Deus é todo mistério, um mistério que não é evidente, que não pode ser captado totalmente pela nossa razão, ou mesmo pelos nossos sentimentos, e por isso não pode ser definido perfeitamente pela nossa linguagem.
            A linguagem que usamos para falar do mistério e dialogar com ele na liturgia, ainda que imperfeita ou inadequada, é a linguagem simbólica. Somente por meio de símbolos nós percebemos a realidade transcendente.
            Mas o que vem a ser, afinal, o símbolo? A origem da palavra está no grego, e significa “aquilo que une, que faz ligação”. Logo, o símbolo, na Liturgia, é aquilo que serve para unir a realidade humana à realidade divina. É um sinal sensível e significativo de uma realidade que ultrapassa o próprio sinal sensível. Àquela realidade, significada pelo sinal, podemos chamar de mistério.
            Podemos compreender o símbolo de três modos: 1. O símbolo é a mesma realidade em outro modo de ser: por exemplo, a rosa é o amor na forma de oferta de uma rosa; ou, 2. O símbolo é um sinal sensível que contem, oculta, revela e comunica, ao mesmo tempo, o mistério; ou ainda: 3. O símbolo é a linguagem ou a comunicação do mistério.
            O rito é formado por um ou mais símbolos. É uma ação ordenada pelo ritmo. A celebração eucarística é o mistério de nossa fé expresso numa linguagem simbólica e ritual: fazemos memória de Jesus, seguindo justamente o rito que ele mesmo ensinou.
            Os símbolos e ritos cristãos adquirem sentido a partir de três fontes:
·        Os elementos da natureza que formam o cosmo: Quanto mais um elemento ou objeto estiver ligado com a vida, maior força simbólica ele possuirá. Temos, então, como símbolos profundamente ligados à vida: a água, a luz e as trevas, o ar, a terra, os frutos da terra como o pão e o vinho, o óleo, a cinza etc. Aqui percebemos a dimensão cósmica da Sagrada Liturgia.
“Deus fala ao homem por intermédio da criação visível. O cosmos material apresenta-se à inteligência do homem para que este leia nele os vestígios de seu Criador. (Cf. Sb 13,1; Rm 1, 15-20; At 14, 17)” (CIC §1147)

·        A história da humanidade: No plano antropológico, adquirem sentido também a partir da história, por exemplo, a bandeira de um país.
“Enquanto criaturas, essas realidades sensíveis podem tornar-se o lugar da expressão da ação de Deus que santifica os homens, e da ação dos homens que prestam seu culto a Deus. Acontece o mesmo com os sinais e os símbolos da vida social dos homens: lavar e ungir, parir o pão e partilhar o cálice, podem exprimir a presença santificante de Deus e a gratidão do homem diante de seu Criador.” (CIC §1148)

·        A História da Salvação prolongada no tempo da Igreja: Transmitida através das Sagradas Escrituras lidas e interpretadas à luz da Tradição.
Sinais a aliança. O povo eleito recebe de Deus sinais e símbolos distintivos que marcam sua vida litúrgica: estes não mais são apenas celebrações de ciclos cósmicos e gestos sociais, mas sinais da aliança, símbolos das grandes obras realizadas por Deus em favor de seu povo. Entre tais sinais litúrgicos da antiga aliança podemos mencionar a circuncisão, a unção e a consagração dos reis e dos sacerdotes, a imposição das mãos, os sacrifícios, e, sobretudo a Páscoa. A Igreja vê nesses sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova Aliança.”    (CIC §1150)
Sinais assumidos por Cristo. Em sua pregação, o Senhor Jesus serve-se muitas vezes dos sinais da criação para dar a conhecer os mistérios do Reino de Deus. Realiza suas curas ou sublinha sua pregação com sinais materiais ou gestos simbólicos. Dá um sentido novo aos fatos e aos sinais da Antiga Aliança, particularmente ao Êxodo e à Páscoa, por ser ele mesmo o sentido de todos esses sinais.” (CIC §1151)
“Sinais sacramentais. Desde Pentecostes, é por meio dos sinais sacramentais de sua Igreja que o Espírito Santo realiza a santificação. Os sacramentos da Igreja não abolem, antes purificam e integram toda a riqueza dos sinais e dos símbolos do cosmos e da vida social. Além disso, realizam os tipos e as figuras da antiga aliança, significam e realizam a salvação operada por Cristo, e prefiguram e antecipam a glória do céu.” (CIC §1152)
Portanto, os símbolos e ritos litúrgicos adquirem sentido à luz do cosmos ou da criação, da História da Salvação e da história do povo de Deus, a Igreja. “Inseridos no mundo da fé e assumidos pela força do Espírito Santo, esses elementos cósmicos, esses ritos humanos, esses gestos memoriais de Deus, se tornam portadores da ação salvadora e santificadora de Cristo.” (CIC §1189)
O Concílio Vaticano II ajudou-nos a distinguir na Sagrada Liturgia “uma parte imutável, divinamente instituída e partes suscetíveis de mudanças. Estas, com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas introduzidas algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria Liturgia, ou se estas partes se tornarem menos aptas. Com esta reforma, porém, o texto e as cerimônias devem ordenar-se de tal modo que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, na medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária” (SC 21).
A liturgia busca tocar todos os nossos sentidos, nossa corporeidade. Ela quer nos fazer experimentar o mistério e nos faz comprometidos com ele. Aproveitando-se de objetos, gestos, sons, cores, luzes e sombras, gostos, cheiros, a ação litúrgica torna presente, muito além da nossa razão, o próprio Jesus Cristo, e com Ele o Pai e o Espírito Santo.
Disto tudo se conclui que a Liturgia há de ser celebrada de maneira significativa, que redunde em estética não teatral, mas eloquente em sua simplicidade. As convicções de quem celebra hão de transparecer através dos sinais utilizados. Devemos aplicar toda a nossa atenção, todo o nosso amor, enfim, todo o nosso ser nas nossas celebrações. É necessário que deixemos de lado todo o excesso de racionalismo e as preocupações exageradas com o “eu”, próprias da pós-modernidade, para nos entregarmos ao encontro com o próximo e com Deus. Não precisamos, nem devemos multiplicar as palavras ou tentar explicar os símbolos que usamos em nossas celebrações. Eles devem falar por si, senão não são símbolos.

Referências:
  1. Catecismo da Igreja Católica
  2. Compêndio do Concílio Vaticano II – Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, Sobre a Sagrada Liturgia – Papa Paulo VI – 1963.
  3. Puebla: “A Evangelização no presente e no futuro da América Latina” – III Conferência Geral Episcopal Latino-Americana – 1979.
  4. Bettencourt, Dom Estevão – “O Simbolismo na Liturgia”: Pergunte e Responderemos 525, março de 2006

Um comentário:

  1. toda criança e adolescente teem s seus direitos garantidos e a lei precisa ser cumprida.E o mais importante, é manter-se na escola.Mas nem todos conhecem essa lei ou fingem que não conhece.

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