segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Devoção, Popularidade e Costumes

         Tudo o que nós conhecemos sobre a vida de Santo An­tão, devemos a seu grande amigo e discípulo, Santo Atanásio, que foi Bispo de Alexandria – importante Cidade localizada ao norte da África – e grande defensor da divindade de Cristo, no Concílio de Nicéia, realizado no ano 325, como já foi dito antes.

Santo Atanásio teve oportunidade de visitar, algumas ve­zes, o santo eremita, no deserto. Dez anos depois que Antão morreu, precisamente enquanto o Bispo de Alexandria, exilado, vivia com os monges do deserto egípcio, escreveu a vida de seu amigo, uma obra considerada como o best seller da antiga literatura cristã: a “Vita (Sancti) Antonii” – “Vida de Santo Antônio”. Isto mesmo, Santo Antônio.  Veja a explicação:  Em todas as outras línguas, menos a portu­guesa, tanto Santo Antônio de Pádua como Santo Antão são conhecidos como “Santo Antônio”.  Na nossa língua portuguesa aconteceu um fato singular: na época em que apareceu Santo Antônio de Pádua (séc. 12/13), que nasceu em Lisboa-Portugal, e por isso é conhecido em Portugal como Santo Antônio de Lisboa, Santo Antão era também muito popular. Para distinguir os dois, houve uma contração, ou seja, uma diminuição de sílabas na palavra “Antônio”, e então Santo Antônio Abade (o nosso) ficou sendo carinhosamente conhecido por Santo Antão, en­quanto o outro manteve o nome de Santo Antônio de Pádua ou Lisboa.  Em todas as outras línguas, menos a portuguesa, o nosso Santo Antão ainda hoje é conhecido por Santo Antônio Abade.
A biografia de Santo Antão, escrita em grego, depressa tornou-se muito popular e foi traduzida quase imediatamente para o latim, por duas vezes e depois em diversas línguas orientais. Trata-se de uma biografia exemplar desta figura muito querida à tradição e que contribuiu muito para a difusão do monaquismo , no Oriente e no Ocidente.
É então Santo Atanásio, o Patriarca de Alexandria, quem nos revela a grandeza e a simplicidade deste homem que esteve sempre tão perto de Deus. São Gregório Nazianzeno, Bispo de Constantinopla, em um de seus discursos, logo depois da morte de Atanásio, o celebra como  ‹‹a coluna da Igreja››, por ter sido ele um dos Padres da Igreja antiga, mais importantes e venerados. Certamente não é sem razão que Gian Lorenço Bernini colocou uma sua estátua na maravilhosa abside da Basílica Vaticana, circundando a Cátedra de São Pedro, juntamente com Ambrósio, João Crisóstomo e Agostinho.  
A “Vita Antonii” é, de certa maneira, um tratado de espiritualidade, mas ela é sobretudo uma biografia, de credibilidade histórica, que foi escrita para dar aos monges, um modelo digno de imitação. Todos os outros biógrafos de Santo Antão vão buscar seus conhecimentos e informações na “Vita  Antonii”, escrita por Santo Atanásio.  
 Tão amigo era Antão de Atanásio que, por várias vezes escreveu ao Imperador Constantino, pedindo para que recondu­zisse o seu Bispo amigo à sua Diocese, pois este havia sido exilado por Constantino.  Dos 45 anos que esteve como Bispo em Alexandria, Atanásio viveu 17 no exílio, pois foi exilado cinco vezes, sempre por defender a divindade de Cristo, contra o Arianismo. Foi Atanásio o mais importante, constante e firme adversário da heresia ariana, que então ameaçava a fé na divindade de Cristo.     
O exílio ajudou Atanásio a conhecer bem a vida de Antão, pois viveu experiência semelhante, quando durante sete anos, dos 17 que esteve no exílio, viveu entre os monges do Egito.
Atanásio mostra ter uma consciência clara da influência que a figura exemplar de Antão podia ter sobre o povo cristão. Ele escreve na conclusão da biografia que fez sobre o santo eremita: “Que fosse conhecido em toda parte, por todos admirado e desejado, até por quantos não o tinham visto, é um sinal da sua virtude e da sua alma amiga de Deus. De fato, Antão não é conhecido pelos escritos nem por uma sabedoria profana nem por qualquer capacidade, mas só pela sua piedade em relação a Deus. E ninguém poderia negar que isto é um dom de Deus. De fato, como se teria ouvido falar na Espanha e na Gália, em Roma e na África, deste homem, que vivia retirado entre os montes, se o não tivesse dado a conhecer em toda parte o próprio Deus, como ele faz com quantos lhe pertencem, e como tinha anunciado a Antão desde o princípio? E também se estes agem no segredo e desejam permenacer escondidos, o Senhor mostra-os a todos como um lampadário, para que quantos ouvem falar deles, saibam que é possível seguir os mandamentos e se sintam encorajados a percorrer o caminho da virtude”  
O culto de Santo Antão começou quando ele ainda estava vivo. Basta lembrar as romarias e visitas de que tratamos em capítulos anteriores, que eram feitas ao santo eremita, para pedir conselhos, orações, e favores.  Os romeiros e admiradores logo viam transformada a tristeza em alegria, sentiam-se curados de suas enfermidades e eram inundados de muita paz, pois, na sua presença desapareciam as preocupações meramente hu­manas.  Aqueles que vinham pedir-lhe conselhos, recebiam-nos com agrado e, uma só palavra sua de bondade era suficiente para fazer desaparecer qualquer dúvida ou escuridão interior.
Depois da morte de Santo Antão e com a divulgação de sua vida, feita pelo Patriarca de Alexandria, foram numerosos os hospitais, Confrarias, Oratórios e Igrejas que receberam o seu nome.
O Santo Abade foi venerado de modo particular como prote­tor contra a peste e doenças contagiosas, principalmente uma doença que apareceu com o nome de “Fogo de Santo An­tão".
Como reflexo do culto popular de Santo Antão no Oci­dente, e devido à sua fama de curar doenças contagiosas e epi­demias, surgiu uma Congregação Religiosa que tinha o carisma especial de cuidar dos doentes, sobretudo aqueles que eram atingidos por epidemias e doenças contagiosas. Trata-se da “Ordem Hospitalar dos Antonianos” (Canonici Regulares Sancti Antonii – CRSA), fundada em 1095, que tinha como insígnia o bastão ou cajado, em forma de cruz (T), que era atribuído tradi­cionalmente a Santo Antão.
Para assegurar a subsistência de seus hospitais, os reli­giosos “antonianos” criavam porcos que perambulavam pelas ruas, e eram mantidos pela caridade pública, pelos restos de comida jogados na rua, pelas famílias. 
Muita gente, imitando o costume dos "antonianos", começou a criar porcos soltos nas ruas das cidades.  Foi necessário então que a autoridade civil promulgas­se uma lei proibindo criar porcos soltos na rua, com exceção dos porcos dos hospitais antonianos, os quais, para serem identificados, deviam levar uma campainha, um chocalho, preso ao pescoço.  Em alguns lugares da Europa, ainda hoje existe o costume de se criar, durante o ano, às custas da coletividade, o “porco de Santo Antão”, que é leiloado para cobrir os gastos da festa do santo eremita.
Provavelmente temos aí, nos porcos criados pelos hospitais antonianos, a origem e a explicação do simpático porquinho que vemos sempre aos pés da imagem de Santo Antão, sem negar nem também desmerecer a interpretação do Prof. José Aragão, no seu livro “História da Vitória de Santo Antão”.
Alguns ditos populares italianos ligados ao porquinho de Santo Antão, permaneceram durante muito tempo no linguajar do povo: De alguém ferido por acidente mortal ou coisa semelhante, dizia-se: “Deve ter roubado um porco de Santo Antão”; ao passo que do malandro sem disposição para trabalhar, mendigando o pão de cada dia, dizia-se: “Vai de porta em porta como o porco de Santo Antão”.
Em alguns lugares da Itália, como em Pinerolo-Itália, ainda hoje se faz, no dia 17 de janeiro, a bênção de animais domésticos, acompanhada por festejos populares, entre os quais, desfiles de cavalos.  Em Roma, a bênção de animais era feita sobretudo na Igreja de Santo Euzébio. 
Um fato singular que se prende à devoção popular de Santo Antão é a fogueira que hoje se faz na véspera da festa de Santo Antônio de Pádua.  Devido à fama de Santo Antão de curar pestes e outras doenças, de modo especial a doença que tinha na época o nome de “Fogo de Santo Antão”, surgiu o costume de se fazer uma grande fogueira, a fogueira de Santo Antão, na véspera da festa do santo, 16 de janeiro, depois queimava-se a lenha, os fiéis recolhiam as cinzas e os carvões que conservavam como relíquias e serviam para curar sobretudo as pessoas acometidas pelo “fogo de Santo Antão”.  Com o advento de Santo Antônio de Pádua, o seu culto foi se tornando muito popular, e o outro Santo Antônio, o nosso Santo Antão, foi perdendo a sua popularidade; e então a fogueira que se fazia na véspera de Santo Antão, ficou sendo feita até hoje na véspera de Santo Antônio de Pádua. O próprio cos­tume de se fazer fogueira nas festas de São Pedro e São João, atraiu a fogueira de Santo Antão que se fazia no dia 16 de janei­ro, para a festa de Santo Antônio, em junho, o mês das fogueiras e das festas juninas
Era também comum o uso de se oferecerem à Igreja, por ocasião da festa do santo eremita, presentes que eram vendi­dos em benefício dos pobres e dos hospitais antonianos, e tam­bém distribuir imagens do santo; na oportunidade ainda se distri­buíam pãezinhos com os pobres, os pães de Santo Antônio A­bade, costume este que também depois foi transferido para Santo Antônio de Pádua.
Podemos então constatar que Santo Antônio de Pádua, além de sua popularidade própria, atraiu para si e herdou definitivamente a popularidade de Santo Antão, em razão sobretudo da identidade de nomes.
Não existe retrato de Santo Antão, pois, naquele tempo não se tinha ainda inventado a fotografia.  É pena que Santo Ataná­sio não tenha feito a descrição física do amigo.  O que temos é o retrato que a imaginação dos artistas criou sob a impressão do que é co­nhecido a respeito de seu caráter e de sua vida, pelo testemu­nho que nos deixou seu discípulo e amigo, Santo Atanásio.
Mestres italianos e espanhóis, holandeses e flamengos, franceses e germânicos, todos tentaram criar, com seus traba­lhos artísticos, o perfil, o rosto desconhecido do Santo da Renún­cia.
Quanto à imagem de Santo Antão, nós o vemos repre­sentado de várias maneiras. Na Matriz de Santo Antão, ele é repre­sentado de maneira triunfalista, como um Abade, um Bispo ves­tido com vestes solenes, em tamanho natural, com Mitra, Capa de Asperges, Báculo e Cruz Peitoral.  É bom lembrar que Santo Antão nunca foi Bispo nem padre: nunca recebeu o Sacramento da Ordem.
Contrastando com a rica e bela imagem que se encontra na Matriz de Santo Antão, e cuja fotografia nós vemos na capa deste livro, te­mos no Instituto Histórico e Geográfico da Vitória, uma tosca imagem muito antiga, em tamanho pequeno, em que o santo é representado com uma túnica bem simples, capuz, livro, e por­quinho.
Podemos ainda encontrar algumas imagens do santo, que podem ser adquiridas em algumas casas de artigos religiosos, onde ele é representado como um eremita: com túnica, capuz, cajado em forma de cruz egípcia (T), um livro na mão e o porquinho.  Em todas as suas imagens aparece sempre o simpático porquinho deitado aos pés do santo. E em algumas imagens aparece tam­bém a campa do mendigo.
Os artistas imortalizaram Santo Antão com suas obras de arte; a Igreja o imortalizou colocando-o na galeria de seus santos ilustres; e os moradores da Vitória de Santo Antão, enquanto o Oriente e o Ocidente se unem para celebrar as mara­vilhas que Deus operou em e por meio de seu servo Antão, param suas atividades aos 17 de janeiro de cada ano, para festejar o seu Santo Padroeiro, continuando assim uma tradição de três séculos, cantando com alegria, amor, e gratidão:


Refrão: Vitorienses, cantemos um hino de gratidão,
                 ao poder do nosso glorioso Santo Antão.

1 - Vós que sois da Igreja glória e esplendor,
contra a infernal peleja sede nosso protetor.

2 - Após luta arrojada, Tabocas grita então:
Vitória da Imaculada, Vitória de Santo Antão.

3 - Abençoai os lares, ò Santo Antão querido:
Sejam templos e altares, onde Deus é conhecido.

4 - Livrai nossas crianças da influência malsã:
"Da Pátria as esperanças"... e os homens de amanhã.

5 - Salvai a juventude, do abismo fatal;
No caminho da virtude sede sempre o seu fanal.

6 - E grata, a Vitória, com júbilo fagueiro,
Cantará a vossa glória, ò santo padroeiro.

Letra de Albertina Lagos
Música de Padre Hermon

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