segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Últimos dias de Antão


         Apesar de amar muito o seu retiro, a sua solidão voluntá­ria, Antão não se esqueceu de, vez por outra, ir ao encontro de seus discípulos, nas suas celas, a fim de orientá-los e encora­já-los; como também teve oportunidade de visitar sua única irmã que havia deixado em companhia daquelas senhoras piedosas que tinham, elas também, dedicado sua vida a Deus.
Santo Atanásio, escrevendo a Vida de Santo Antão, quis apresentá-lo como modelo de vida para todos os cristãos e sobretudo para os monges. Quando falou de sua morte, quis mostrar como também nos seus últimos momentos, foi um exemplo digno de ser imitado.  
Tendo já quase 105 anos, quis visitar pela última vez seus discípulos, sobretudo aqueles que habitavam mais perto, e nessa visita anunciou-lhes a sua próxima e definitiva partida para Deus.  Ele estava certo de que a sua missão aqui na terra esta­va terminada. Recebendo da Providência uma premonição de sua morte, falou assim aos irmãos: "Esta é a última visita que lhes faço e me admiraria se ainda nos voltássemos a ver nesta vida. Já é tempo de morrer, pois tenho quase cento e cinco anos". Ao ouvir isto, seus discípulos puseram-se a chorar, abraçando e beijando o ancião. Ele porém, como se tivesse de partir de uma cidade estranha à sua própria, continuou falando alegremente. Exortava-os a não se relaxarem em seus esforços nem a se desalentarem na prática da vida ascética, mas a viverem como se tivessem de morrer cada dia e, a trabalharem duramente a fim de guardar a alma limpa de pensamentos impuros e a imitarem os homens santos. E dizia: “Não se envolvam com os arianos, pois sua irreligião é clara para todos. E, se vêem que as autoridades os apóiam, não se deixem confundir. Isto se acabará, é um fenômeno passageiro, destinado a ter fim em pouco tempo. Por isso, mantenham-se limpos de tudo isso e observem a tradição dos Padres e, sobretudo, a fé ortodoxa em nosso Senhor Jesus Cristo, como aprenderam das Escrituras e eu tão freqüentemente o recordei."
Quando os irmãos insistiram para que ficasse com eles, até morrer, recusou-se a isto por muitas razões, especialmente porque os egípcios têm o costume de honrar com ritos funerários e envolver em sudários de linho, os corpos dos homens santos e particularmente dos santos mártires e não os enterram: colocam-nos sobre divãs e os guardam em suas casas, (certamente depois de embalsamá-los) pensando honrar o defunto deste modo. Antão pediu muitas vezes aos bispos e presbíteros que dessem instruções ao povo sobre esse assunto. Os corpos dos patriarcas e dos profetas se guardam em túmulos até estes dias, e o corpo do Senhor também foi depositado num túmulo e puseram uma pedra sobre ele (Mt 27,60) até que ressuscitou ao terceiro dia. Ao expor assim as coisas, demonstrava que cometiam erro ao não dar sepultura aos corpos dos defuntos, por santos que fossem. E em verdade, nada existe maior ou mais santo que o corpo do Senhor. Como resultado, muitos que o ouviram, começaram, desde então, a sepultar seus mortos e deram graças ao Senhor pelo bom ensinamento recebido.
Voltando ao seu eremitério, depois de dois meses, Antão adoeceu e chamou os dois discípulos que com ele viviam uma vida comunitária há 15 anos, Macário e Amafas, e deu-lhes os seguintes conselhos, entre outros: “Meus filhos queridos, chegou a hora em que, segundo dizeres da Sa­grada Escritura, eu vou seguir o caminho de meus pais.  Eu sinto que o Senhor me chama, e o meu coração está inflamado do desejo de se unir a Ele, no Céu.  Quanto a vocês, meus filhos, não vão desperdiçar, por relaxamento, os frutos da vida ascética que durante tanto tempo praticaram. Esforcem-se por manter seu entusiasmo como se estivessem começando agora. O demônio é embusteiro. Vocês sabem como ele é furioso, mas também sabem que ele se torna fraco se vocês estiverem bem unidos a Jesus Cristo. Não os temam. Se vocês confiarem e se entregarem inteiramente a Jesus, com toda certeza haverão de triunfar contra as malícias desses espíritos per­versos.  Deixem que Cristo seja o alento de sua vida e ponham nele sua confiança. Não esqueçam nunca dos diversos ensinamentos que eu lhes dei”. E disse-lhes ainda: “Estejam prontos e não deixem de manifestar sua lealdade, primeiro a Cristo e depois a seus santos, ´para que depois de sua morte eles os recebam nas moradas eternas´ (Lc 16,9), como a amigos familiares. Gravem este pensamento e o tenham como propósito: Se vocês realmente se preocupam comigo e me consideram como pai, não permitam que ninguém leve meu corpo para Alexandria, não aconteça que me guardem em suas casas. Foi esta a razão que me trouxe para cá, à montanha. Por isso, façam-me vocês mesmos os funerais e sepultem meu corpo na terra. Na ressurreição dos mortos, o Salvador me devolverá incorruptível”. Antão recomendou ainda que seu corpo fosse enterrado em lugar secreto, somente conhecido por eles dois.  Queria assim evitar que seu túmulo se tornasse lugar de peregrinação. 
Antão teve também o cuidado de determinar o destino de seus haveres, isto é: suas duas túnicas, os seus cilícios e um dos dois mantos que Santo Atanásio lhe havia dado. “Vocês entregarão ao Bispo Atanásio, uma de minhas túnicas, feitas de pele de ovelha,  com o manto que ele me deu novo e que lhe devolvo usado”. Quanto ao outro manto que o Bispo lhe havia dado, Antão já tinha feito uso dele para envolver o corpo do eremita Paulo, quando de sua morte e sepultura. A outra túnica devia ser entregue ao Bispo Serapião e eles dois herdariam os cilícios.
Vendo que chegara a sua hora, antes de expirar, Antão disse aos dois amigos: “Adeus, meus filhos queridos, Deus os abençoe. Vosso Antão parte.  Ele não estará mais com vocês”. Depois de dizer isto e de que eles o houvessem beijado, estendeu os pés. Seu rosto estava transfigurado de alegria e seus olhos brilhavam de regozijo como se visse amigos vindo a seu encontro. Assim faleceu e foi reunir-se a seus pais. Era o dia 17 de janeiro do ano 356.  Os seus dois discípulos, seguindo as ordens que lhes havia dado, enterraram-no em lugar que ficou desconhecido por muitos anos.  Apenas se sabia que tinha sido sepultado no Monte Colzin, junto ao mar Vermelho.
Somente no ano 561, por meio de uma revelação, o seu túmulo foi descoberto. Suas relíquias foram então levadas para Alexandria. Quando os sarracenos dominaram o Egito, em 635, os seus restos mortais foram levados a Constantinopla. Dali foram trasladados à França em fins do século X, e desde 1491 estão guardados na igreja de São Juliano perto de Arles, onde se encontram até hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário