sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

As Maravilhas de Deus e a Beleza das Almas


"Quão magníficas são, Senhor, as tuas obras! Quão profundos são os teus pensamentos!" (Ps. XCI, 6), exclama o salmista, enlevado pela beleza do universo material, e, mais ainda, pelos pensamentos profundos que seus símbolos revelam. Com efeito, o olhar humano não se cansa de admirar a imensidão dos céus, a grandeza do mar, a majestade das montanhas. Ele se deslumbra com o brilho das estrelas, com o resplendor do fogo e com o faiscar dos vagalumes. E a variedade das flores, e a graça dos lagos, e a doçura do vento lhe são amáveis.

Todavia, mais do que a beleza de todas as criaturas, o homem admira os símbolos que nelas existem, símbolos que são como vozes que lhe falam dos pensamentos profundos de Deus. Símbolos que são como ecos ou como espelhos das belezas espirituais das almas, dos anjos, e até mesmo de Deus.

Deter-se na mera beleza material é apreciar mal a beleza da criação, desprezando o que ela tem de melhor e mais santo.

"Guarda-te contudo, minha Alma, de injuriar o Criador, e de esposa que és de te tornares adúltera, amando mais os dons do que o afeto do Amante. Ai de ti - exclama Santo Agostinho nas "Confissões" - ai de ti, se andas vagueando por suas pegadas, se ama seus sinais pelo lucro temporal, mas não atendes ao que te está insinuando aquela luz beatíssima, a inteligência da mente purificada - Deus - cujos vestígios e sinais são o ornamento e o decoro de todas as criaturas" (São Boaventura, "Solilóquio", I, 7).

Com efeito, diz São Boaventura que Deus colocou na natureza criada vestígios, imagem e semelhança com Ele.

Vestígios são marcas deixadas por um ser. Por exemplo, as marcas dos passos de um homem na areia de uma praia são vestígios dele, e não sua imagem.

Assim, em toda a criação podemos encontrar vestígios de Deus, na ordem existente em todas as criaturas. A ordem atômica e a ordem celular são vestígios da Sabedoria de Deus nos seres inferiores ao homem. Assim também, o bem existente em todo ser é um vestígio da infinita bondade de Deus.

Mas nos anjos e nos homens há, além de vestígio de Deus, imagem dEle, porque assim como em Deus há inteligência e vontade, também nos homens e nos anjos há inteligência e vontade.

Entretanto, pondera São Boaventura que nos demônios e nos pecadores, embora permaneça a imagem de Deus, já não há semelhança, porque esta consiste no ter a vida de Deus, pela graça santificante. Verdadeiramente semelhantes a Deus são apenas os anjos do céu e os homens que estão em estado de graça.

Nesta semelhança é que consiste propriamente a beleza das almas.

Não há então, na terra, maior beleza do que a da alma dos santos.

O homem, por ter uma alma espiritual num corpo material, tem uma posição intermediária entre os seres materiais e os espirituais: Deus e os anjos.. Como Deus e os anjos, a alma é espiritual, embora deva estar unida a um corpo material. Como espírito, porém, ela supera metafisicamente todos os seres materiais, e daí seu bem e sua beleza não terem igual nas coisas sensíveis. Nada há na natureza visível, por mais maravilhosa que seja, que se equipare à beleza de uma alma. Porque, sendo a realidade sempre superior ao símbolo, e sendo as belezas materiais meros símbolos das belezas espirituais da alma, esta possui uma beleza superior à de seus símbolos.

"Na medida em que o espírito é mais nobre do que o corpo, assim, o espelho da alma, que reflete a beleza da arte eterna, é mais formoso que qualquer outro espelho e que qualquer outra beleza corporal" (São Boaventura, "Discursos ascético-místicos", Santa Inês, discurso 2, IV).

A beleza das criaturas é causada pelos sinais e vestígios de Deus, mas a beleza da alma humana provém de ser feita à imagem de Deus, Beleza absoluta.

"A meu ver - diz São Boaventura falando do valor da alma - tua maior nobreza e excelência se estriba em que, para tua honra e formosura, tens impressa em ti a imagem da Trindade beatíssima" (São Boaventura, "Solilóquio", I, 3).

Além disso, Deus fez a alma imortal, e para enaltecer esse valor São Boaventura cita uma passagem de Santo Agostinho no "De Trinitate":

"Oh alma, adverte que teu Criador, além do ser, formoso ser, eterno ser, e o viver, e o sentir, e o discernir, Ele te dotou de sentidos e te ilustrou com a sabedoria. Olha, pois, tua formosura, e entenderás que formosura tens de amar. E se por ti mesma não és capaz de contemplar-te como convém, porque pelo menos não aprendes a estimar-te como mereces pelo julgamento alheio? Tu tens um Esposo, e se não duvidares de sua formosura, claramente verás que, sendo tão formoso, tão gracioso, tão único Filho de Deus, nunca se agradaria da tua vista, se não o arrebatasse tua singular beleza, mais admirável que toda beleza criada".

E a seguir diz o próprio São Boaventura:

"O Rei cuja formosura o sol e a lua admiram", cuja grandeza céus e terras reverenciam, com cuja sabedoria são iluminados os exércitos dos espíritos celestiais, de cuja bondade se saciam os coros dos bem-aventurados, este mesmo (Rei) deseja hospedar -se em ti, minha Alma, e deseja e apetece mais o teu cenáculo do que o palácio do céu. Porque "suas delícias consistem em estar com os filhos dos homens" (Prov., VIII, 32) (São Boaventura, "Solilóquio", I, 4 e 5).

Tão grande é a beleza das almas que Deus morreu na cruz por amor delas.

Orlando Fedeli - "Beleza das almas"  - MONTFORT Associação Cultural

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