segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Homem de Deus a serviço dos homens

         Antão se tornou assim pai espiritual e conselheiro de gru­pos de pessoas que, a seu exemplo, resolveram levar vida reli­giosa perfeita.  Suas lições sobre a perfeição eram avidamente desejadas.  Mesmo contemplativo e sempre unido a Deus, soube encontrar tempo para orientar e animar seus seguidores, com ensinamentos ao mesmo tempo simples e profundos.  Quando, certa vez, perguntaram-lhe o que fazer para combater o mal e avançar no caminho da perfeição, Antão deu uma lição de sim­plicidade e respondeu que era necessário, entre outras coisas, ser muito discreto, sem exibição.
Apesar de sua grande austeridade para consigo mesmo, era muito humano e compreensivo para com os outros.  Nos seus últimos anos, Antão tinha se tornado muito paciente e con­descendente para com aqueles que o procura­vam, e sobretudo com os que caíam e queriam levantar-se.
Certo dia, um dos monges do deserto foi ter com Antão.  Seus irmãos de comunidade o haviam expulsado porque tinha fracassado, vítima de muitas e violentas tentações.  Antão o acolheu, confortou, aconselhou, e mandou-o de volta para que fosse readmitido na comunidade.  Tempos depois ele reapareceu mais uma vez diante de Antão, queixando-se: “eles se recusa­ram a aceitar-me”.  E de novo Antão mandou que ele voltasse, encarregando-o de levar a seguinte mensagem: “Um navio ameaçava naufragar.  Jogaram ao mar toda a carga que levava e, assim, à custa de muito esforço e sacrifício, o navio vazio conseguiu afinal salvar-se.  É desejo vosso afundar o navio que voltou a salvo do mar?” E diante do argumento, os irmãos resolveram readmitir na comunidade aquele que havia sido afastado porque errara.
Antão não viveu só para si, não foi egoísta, nem se aco­modou. Apesar de passar quase toda sua vida no deserto, longe dos homens, ele foi um apóstolo, e o seu grande apostolado foi o aconselhamento.
A sua fidelidade a Deus, sua austeridade de vida, suas lutas e vitórias contra o mal, sobretudo contra as tentações a que foi submetido, a harmonia primitiva e verdadeira da natureza do homem, em que a carne obedece ao espírito e não se rebela contra ele, Antão conquistara à força de uma prá­tica ascética rigorosa. Tudo isso o credenciou e deu-lhe credibili­dade para ser o conselheiro e orientador espiritual de uma imensa legião de pessoas que acorriam a ele e nele confiavam, como vimos anteriormente.
O aconselhamento veio a ser para Antão uma devoção tão importante quanto suas orações lá no silêncio de sua gruta.  No amor a Deus aprendera a amar os homens. Não tinha ne­nhum receio que, gastando o seu tempo como conselheiro e orientador dos que o procuravam e de seus discípulos, viesse a negligenciar o Senhor  e,  por isso,  com  muita paciência e dedi­cação, atendia a todos os que o procuravam. O Senhor dava a Antão uma graça toda especial através de sua palavra, de maneira que consolava muitos aflitos e reconciliava entre si muitos que estavam em conflito. Também, por meio dele, curou muitos daqueles que o procuravam. Mais adiante falaremos de alguns milagres que Deus realizou por intermédio de Antão, ainda vivo.
Certa vez, recebeu a visita de alguns filósofos, que são pessoas sábias ou que se julgam sábias e estão sempre inves­tigando o porquê, a razão de ser de todas as coisas, pensando que podiam divertir-se com Antão. Antes que os visitantes dissessem qualquer coisa, Antão lhes perguntou, por meio de um intérprete: “Por que fizeram tão grande sacrifício para vir até aqui visitar um pobre coitado, um louco?” Antão ouvira falar que eles o conside­ravam louco porque tinha abandonado um futuro promissor para viver aquela vida “louca”.  E eles, admirados e desconcertados com a recepção, responderam que não o julgavam louco, mas estavam convencidos de que ele era um sábio.  Aproveitando a oportunidade, Antão lhes disse: “Se vocês acreditam que eu sou um sábio, então imitem a minha sabedoria”. Aqueles filósofos, antes incrédulos, voltaram convertidos para casa.
Diante do orgulho e incredulidade daqueles intelectuais e de tantos intelectuais de nossos dias, o estilo de vida de Antão quer salientar o primado dos simples, que constitui um dos aspectos essenciais da mensagem evangélica.
O Imperador Constantino e seus filhos gostavam de escrever a Antão.  Este, poucas vezes respondia.  Certa vez, numa de suas cartas, Antão mandou dizer ao Imperador que estava muito feliz de saber que ele e sua família adoravam a Je­sus Cristo e exortou-os a não se prevalecerem muito de seu poder, mas a se lembrarem sempre que eram criaturas hu­manas.  Recomendou ainda que fossem bondosos, justos, e que ti­vessem uma atenção especial com os pobres e acima de tudo se lembrassem que o único Rei verdadeiro e eterno é Jesus Cristo.  De outra vez, Constantino mandou que emissários levassem carta para Antão, pedindo conselhos para bem governar o povo, dentro do espírito cristão. E Antão respondeu: “Praticai a humildade e desprezai o mundo; lembrai-­vos de que no dia do juízo, tereis de prestar contas de todos os vossos atos”.
Depois que o Imperador mandou pedir conselhos a Antão, foram muitos os que fizeram o mesmo. Pessoas de todas as classes sociais, desde os mais simples cidadãos até aqueles cristãos nobres e ricos, vinham pedir a Antão sua bênção sobre suas pessoas, seus familiares, e até seus negócios seculares.
Nessa época, Antão estava em Pispir.  Depois de certo tempo, desgostoso e fatigado de uma certa publicidade que tantas visitas criavam em torno de sua pessoa, resolveu mais uma vez partir e procurar um outro lugar mais retirado, on­de pudesse retomar sua vida de solidão.  Sentia-se muito inco­modado pelos visitantes.
Partiu então, sem nada dizer a ninguém, e depois de se afastar um dia de caminhada do seu refúgio de Pispir, resolveu acompanhar um grupo de sarracenos, que eram nômades beduínos e habitavam o deserto entre a Síria e a Arábia. Antão lhes pediu para ir com eles, no que foi atendido. Eles iam de mu­dança em busca de novas pastagens para seus rebanhos, e estavam seguindo por aquele mesmo caminho.  Beduínos eram árabes, sem moradia fixa (nômades), que viviam da criação de animais, nos desertos, sempre procurando melho­res pastagens para seus rebanhos.  Eram muito comuns no norte da África e na Arábia.
Depois de cruzarem a vastidão central do deserto árabe, caminharam três dias e três noites e chegaram ao pé do monte Colzin, onde pararam para descan­sar.  Depois de refeitos, os beduínos prosseguiram viagem, porém Antão ali ficou, depois de conseguir uns pães de seus companheiros de viagem.  Agradara-se do lugar.  Aquela era a morada que Deus lhe havia destinado, pensava ele.  Havia ali uma fonte, junto da fonte uma caverna, e nela poderia ele viver o resto de sua vida, numa absoluta reclusão, tendo por companhia Deus somente. Segundo descrição de São Jerônimo, era uma gruta for­mada por uma alta rocha, com uma depressão que servia de abrigo para Antão e, de onde descia um veio d'água, formando um riacho que tornava a área fértil e útil para o plantio. Quanto aos sarracenos, notando o entusiasmo de Antão, fizeram do lugar um ponto de parada para descanso, em suas travessias e se comprometeram a levar-lhe sempre pão. Naquela nova morada de Antão havia umas tamareiras que lhe davam uma pequena e frugal mudança de dieta.
Antão permaneceu ali seus últimos anos de vida.  Foram 20 anos de sossego e de íntima união com Deus.
Ao completar cem anos, Antão era senhor de seu corpo e de seu espírito, graças ao temor de Deus que o tinha levado pa­ra o deserto e tinha-lhe imposto uma severa renúncia e jejum.  Ele que tinha abandonado a vida do mundo, conseguira, no en­tanto, abundância de vida.  Nele está revelada a eterna verdade de um dos segredos da existência humana: as energias mais plenas e mais profundas só podem ser libertadas pela solidão e pela renúncia.
Os oitenta anos de deserto, na oração, a longa e profunda intimidade com Deus, os pesados sacrifícios e severa renúncia que se tinha imposto voluntariamente, a luta contra as tenta­ções, tinham transformado o rígido asceta em um santo, tinham amadurecido em Antão uma sabedoria e santidade tais que fa­ziam dele um ancião bondoso, sereno, compreensivo, transbordando alegria.  Ele tinha ficado tão marcado pelas tentações que o massacraram durante tantos anos, que tinha se acostumado a ver em tudo, no deserto, nas pedras, na areia, o tentador.  Agora ele procedia de outra maneira.  A batalha contra o mal tinha sido prolongada e acarretara muito sofrimento, po­rém Antão tinha vencido. Ele colocara Satanás debaixo dos pés, graças à renúncia, ao jejum, e sobretudo à grande confiança em Deus, de quem se fizera íntimo pela oração.  Ele se tornara um modelo de vida consagrada a Deus. Todo o mundo oriental foi sacudido pela santidade e vida admirável de Antão.  Todos os que o procuravam, voltavam confortados por terem conhecido e convivido com um homem sereno, de fácil trato, um HOMEM DE DEUS.
Agora, Antão podia dizer: “Eu não temo a Deus, eu o amo; e porque amo a Deus, nada temo”.  Ele, que havia jejuado durante to­da sua vida, ensina agora que o amor vale mais do que o jejum.  Ele que havia mortificado o seu corpo durante oitenta anos, ago­ra aconselhava aos que lhe pediam conselho: “Alimentai-vos bem, porque quando o arco está muito esticado, pode partir-se”. Depois daquele longo período de reclusão e afastamento dos homens, agora Antão via, em cada coisa criada, uma revelação de Deus.  Enquanto temia mais do que amava, Antão via o de­serto cheio de demônios e, nos homens via um empecilho para sua união com Deus. Agora que ele amava mais do que temia, o deserto tornou-se uma revelação do Criador, e os homens pas­saram a ser vistos como seus irmãos e criaturas quase perfei­tas do Criador.  A natureza tornou-se o primeiro livro que o santo – quase iletrado – podia ler.  Por isso ficava horas e horas ab­sorvido na contemplação do deserto e via inscritos, nas rochas e na areia, na nuvem e na palmeira, grandes pensamentos, os pen­samentos de Deus.
Um certo sábio de Alexandria foi ver, certo dia, o homem do deserto, que, segundo ouvira falar, era um sábio eremita.  E, diante de Antão, disse-lhe: “Compreendo que um homem prefira viver afastado dos outros homens, mas não posso compreender como seja possível viver sem o conforto dos livros”.  E Antão lhe respondeu: “Meu livro é o mundo de todas as coisas criadas, e quando desejo ler as palavras de Deus nele, encontro-o aberto diante de mim”.  O amor havia transformado Antão.  De re­pente, já vivendo seus últimos anos, ele compreendeu que, aquele que tem medo, vê as coisas de maneira diferente daquele que ama.
Agora Antão via em tudo a bondade, a grandeza de Deus.  Tudo havia se transformado em prova do grande amor de Deus para com os homens.
Certa manhã, Antão se dirigiu à fonte para refrescar os lá­bios ressequidos pelo calor causticante do deserto egípcio.  De repente, ele compreendeu, como se tivesse recebido uma revelação de Deus, que aquela água que bebia, era uma men­sagem divina de bênção e de fertilidade.  Ao voltar à sua gruta­-residência, a mensagem da água tinha invadido e iluminado o seu coração. Enquanto caminhava por aquelas terras áridas, ia refletindo e compreendendo que a água, dom de Deus, podia transformar aquelas terras improdutivas em férteis campos.  E assim aconteceu.  É como se ele tivesse ouvido de Deus a se­guinte ordem: Antão, lavra a minha terra!  E ele se lembrou dos tempos de sua juventude, quando, em companhia de seu pai, la­vrava a terra.  Logo, obteve de alguns peregrinos, instrumentos de trabalho e sementes.  Preparou o terreno, até então árido e, por meio de irrigação, que ele providenciou, cavando valetas, como ainda hoje fazem muitos agricultores, conseguiu transfor­mar o solo árido do deserto em um pomar.  Era o deserto que flo­rescia.  Duas mãos solitárias, acostumadas a se unir só para a oração, meteram a enxada no solo, semearam a semente e, as­sim transformaram áreas estéreis em campos de trigo.  A oração solitária do homem da renúncia, fizera Antão aprender um outro tipo de oração. Sem abandonar seus colóquios com Deus, suas renúncias e mortificações, aprendera agora a cultivar a oração criadora do trabalho.
Agora, aqueles que iam ao deserto visitar o santo eremita, eram recebidos pelo lavrador de Deus, um santo que semeava e rezava, colhia o fruto de seu trabalho e cozia o seu pão; encon­travam um homem que, embora idoso já de mais de cem anos, tinha ainda o vigor da juventude e dedicava-se ao trabalho, não só para comer, mas também para ajudar os irmãos, de modo particular os pobres e necessitados que o visitavam.  Estes vol­tavam para casa com a paz no coração, e as mãos carregadas com o pão e as hortaliças que Antão produzia. E assim seus visitantes recebiam algo mais para restaurar suas forças depois de tão cansativa e pesada viagem.
Apesar de mais de oitenta anos de privações, mortificações da carne e de uma vida exposta ao sol causticante do deserto africano, seu corpo ainda se conservava ereto, o passo firme e ligeiro, os olhos claros e penetrantes, a voz poderosa e resso­nante. Quando ele morreu, já com cento e cinco anos, estava ainda em plena posse de seu vigor físico; nenhuma doença, ne­nhum declínio de vitalidade, anunciavam o fim de sua caminha­da.
Após a morte de Antão, visitando aqueles lugares onde ele tinha vivido seus últimos anos, Santo Hilário se fez acompa­nhar de alguns dos discípulos do santo eremita, e eles, com muita ternura iam indicando os diversos lugares onde seu mes­tre espiritual costumava realizar suas diversas atividades diá­rias: “Aqui ele cantava os salmos, ali ele se entretinha com Deus na oração.  Aqui ele se dedicava ao trabalho, ali ele tomava um pouco de descanso e repouso, quando se sentia cansado. Ele mesmo plantou esta horta e estas árvores, construiu este reservatório de água para irrigação de sua horta...”
Foram os discípulos de Antão que, durante aquela visita, contaram a Santo Hilário que, certo dia, alguns burros selva­gens, tendo vindo saciar a sede no reservatório construído por Antão, começaram a devastar as plantações de trigo.  Antão or­denou ao primeiro animal que parasse, e lhe batendo suave­mente nos quartos, com o cajado, disse-lhe: “Por que você vem comer o que não plantou?”  Os animais começaram a se afastar; e a partir de então, nunca mais estragaram as plantações.  Alguns biógrafos de Santo Antão vêem neste episódio, mais uma astú­cia do demônio, disfarçado em animais selvagens, tentando irri­tar o santo eremita e roubar-lhe a paz. No entanto, Antão, o homem de Deus, sem se aborrecer, apenas conjurou aqueles burros selvagens a afastarem-se, em nome do mesmo Deus de Quem se tornara tão íntimo pela oração e a Quem servira com tanta dedicação durante toda sua vida.

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