Antão se tornou assim pai espiritual e conselheiro de grupos de pessoas que, a seu exemplo, resolveram levar vida religiosa perfeita. Suas lições sobre a perfeição eram avidamente desejadas. Mesmo contemplativo e sempre unido a Deus, soube encontrar tempo para orientar e animar seus seguidores, com ensinamentos ao mesmo tempo simples e profundos. Quando, certa vez, perguntaram-lhe o que fazer para combater o mal e avançar no caminho da perfeição, Antão deu uma lição de simplicidade e respondeu que era necessário, entre outras coisas, ser muito discreto, sem exibição.
Apesar de sua grande austeridade para consigo mesmo, era muito humano e compreensivo para com os outros. Nos seus últimos anos, Antão tinha se tornado muito paciente e condescendente para com aqueles que o procuravam, e sobretudo com os que caíam e queriam levantar-se.
Certo dia, um dos monges do deserto foi ter com Antão. Seus irmãos de comunidade o haviam expulsado porque tinha fracassado, vítima de muitas e violentas tentações. Antão o acolheu, confortou, aconselhou, e mandou-o de volta para que fosse readmitido na comunidade. Tempos depois ele reapareceu mais uma vez diante de Antão, queixando-se: “eles se recusaram a aceitar-me”. E de novo Antão mandou que ele voltasse, encarregando-o de levar a seguinte mensagem: “Um navio ameaçava naufragar. Jogaram ao mar toda a carga que levava e, assim, à custa de muito esforço e sacrifício, o navio vazio conseguiu afinal salvar-se. É desejo vosso afundar o navio que voltou a salvo do mar?” E diante do argumento, os irmãos resolveram readmitir na comunidade aquele que havia sido afastado porque errara.
Antão não viveu só para si, não foi egoísta, nem se acomodou. Apesar de passar quase toda sua vida no deserto, longe dos homens, ele foi um apóstolo, e o seu grande apostolado foi o aconselhamento.
A sua fidelidade a Deus, sua austeridade de vida, suas lutas e vitórias contra o mal, sobretudo contra as tentações a que foi submetido, a harmonia primitiva e verdadeira da natureza do homem, em que a carne obedece ao espírito e não se rebela contra ele, Antão conquistara à força de uma prática ascética rigorosa. Tudo isso o credenciou e deu-lhe credibilidade para ser o conselheiro e orientador espiritual de uma imensa legião de pessoas que acorriam a ele e nele confiavam, como vimos anteriormente.
O aconselhamento veio a ser para Antão uma devoção tão importante quanto suas orações lá no silêncio de sua gruta. No amor a Deus aprendera a amar os homens. Não tinha nenhum receio que, gastando o seu tempo como conselheiro e orientador dos que o procuravam e de seus discípulos, viesse a negligenciar o Senhor e, por isso, com muita paciência e dedicação, atendia a todos os que o procuravam. O Senhor dava a Antão uma graça toda especial através de sua palavra, de maneira que consolava muitos aflitos e reconciliava entre si muitos que estavam em conflito. Também , por meio dele, curou muitos daqueles que o procuravam. Mais adiante falaremos de alguns milagres que Deus realizou por intermédio de Antão, ainda vivo.
Certa vez, recebeu a visita de alguns filósofos, que são pessoas sábias ou que se julgam sábias e estão sempre investigando o porquê, a razão de ser de todas as coisas, pensando que podiam divertir-se com Antão. Antes que os visitantes dissessem qualquer coisa, Antão lhes perguntou, por meio de um intérprete: “Por que fizeram tão grande sacrifício para vir até aqui visitar um pobre coitado, um louco?” Antão ouvira falar que eles o consideravam louco porque tinha abandonado um futuro promissor para viver aquela vida “louca”. E eles, admirados e desconcertados com a recepção, responderam que não o julgavam louco, mas estavam convencidos de que ele era um sábio. Aproveitando a oportunidade, Antão lhes disse: “Se vocês acreditam que eu sou um sábio, então imitem a minha sabedoria”. Aqueles filósofos, antes incrédulos, voltaram convertidos para casa.
Diante do orgulho e incredulidade daqueles intelectuais e de tantos intelectuais de nossos dias, o estilo de vida de Antão quer salientar o primado dos simples, que constitui um dos aspectos essenciais da mensagem evangélica.
O Imperador Constantino e seus filhos gostavam de escrever a Antão. Este, poucas vezes respondia. Certa vez, numa de suas cartas, Antão mandou dizer ao Imperador que estava muito feliz de saber que ele e sua família adoravam a Jesus Cristo e exortou-os a não se prevalecerem muito de seu poder, mas a se lembrarem sempre que eram criaturas humanas. Recomendou ainda que fossem bondosos, justos, e que tivessem uma atenção especial com os pobres e acima de tudo se lembrassem que o único Rei verdadeiro e eterno é Jesus Cristo. De outra vez, Constantino mandou que emissários levassem carta para Antão, pedindo conselhos para bem governar o povo, dentro do espírito cristão. E Antão respondeu: “Praticai a humildade e desprezai o mundo; lembrai-vos de que no dia do juízo, tereis de prestar contas de todos os vossos atos”.
Depois que o Imperador mandou pedir conselhos a Antão, foram muitos os que fizeram o mesmo. Pessoas de todas as classes sociais, desde os mais simples cidadãos até aqueles cristãos nobres e ricos, vinham pedir a Antão sua bênção sobre suas pessoas, seus familiares, e até seus negócios seculares.
Nessa época, Antão estava em Pispir. Depois de certo tempo, desgostoso e fatigado de uma certa publicidade que tantas visitas criavam em torno de sua pessoa, resolveu mais uma vez partir e procurar um outro lugar mais retirado, onde pudesse retomar sua vida de solidão. Sentia-se muito incomodado pelos visitantes.
Partiu então, sem nada dizer a ninguém, e depois de se afastar um dia de caminhada do seu refúgio de Pispir, resolveu acompanhar um grupo de sarracenos, que eram nômades beduínos e habitavam o deserto entre a Síria e a Arábia. Antão lhes pediu para ir com eles, no que foi atendido. Eles iam de mudança em busca de novas pastagens para seus rebanhos, e estavam seguindo por aquele mesmo caminho. Beduínos eram árabes, sem moradia fixa (nômades), que viviam da criação de animais, nos desertos, sempre procurando melhores pastagens para seus rebanhos. Eram muito comuns no norte da África e na Arábia.
Depois de cruzarem a vastidão central do deserto árabe, caminharam três dias e três noites e chegaram ao pé do monte Colzin, onde pararam para descansar. Depois de refeitos, os beduínos prosseguiram viagem, porém Antão ali ficou, depois de conseguir uns pães de seus companheiros de viagem. Agradara-se do lugar. Aquela era a morada que Deus lhe havia destinado, pensava ele. Havia ali uma fonte, junto da fonte uma caverna, e nela poderia ele viver o resto de sua vida, numa absoluta reclusão, tendo por companhia Deus somente. Segundo descrição de São Jerônimo, era uma gruta formada por uma alta rocha, com uma depressão que servia de abrigo para Antão e, de onde descia um veio d'água, formando um riacho que tornava a área fértil e útil para o plantio. Quanto aos sarracenos, notando o entusiasmo de Antão, fizeram do lugar um ponto de parada para descanso, em suas travessias e se comprometeram a levar-lhe sempre pão. Naquela nova morada de Antão havia umas tamareiras que lhe davam uma pequena e frugal mudança de dieta.
Antão permaneceu ali seus últimos anos de vida. Foram 20 anos de sossego e de íntima união com Deus.
Ao completar cem anos, Antão era senhor de seu corpo e de seu espírito, graças ao temor de Deus que o tinha levado para o deserto e tinha-lhe imposto uma severa renúncia e jejum. Ele que tinha abandonado a vida do mundo, conseguira, no entanto, abundância de vida. Nele está revelada a eterna verdade de um dos segredos da existência humana: as energias mais plenas e mais profundas só podem ser libertadas pela solidão e pela renúncia.
Os oitenta anos de deserto, na oração, a longa e profunda intimidade com Deus, os pesados sacrifícios e severa renúncia que se tinha imposto voluntariamente, a luta contra as tentações, tinham transformado o rígido asceta em um santo, tinham amadurecido em Antão uma sabedoria e santidade tais que faziam dele um ancião bondoso, sereno, compreensivo, transbordando alegria. Ele tinha ficado tão marcado pelas tentações que o massacraram durante tantos anos, que tinha se acostumado a ver em tudo, no deserto, nas pedras, na areia, o tentador. Agora ele procedia de outra maneira. A batalha contra o mal tinha sido prolongada e acarretara muito sofrimento, porém Antão tinha vencido. Ele colocara Satanás debaixo dos pés, graças à renúncia, ao jejum, e sobretudo à grande confiança em Deus, de quem se fizera íntimo pela oração. Ele se tornara um modelo de vida consagrada a Deus. Todo o mundo oriental foi sacudido pela santidade e vida admirável de Antão. Todos os que o procuravam, voltavam confortados por terem conhecido e convivido com um homem sereno, de fácil trato, um HOMEM DE DEUS.
Agora, Antão podia dizer: “Eu não temo a Deus, eu o amo; e porque amo a Deus, nada temo”. Ele, que havia jejuado durante toda sua vida, ensina agora que o amor vale mais do que o jejum. Ele que havia mortificado o seu corpo durante oitenta anos, agora aconselhava aos que lhe pediam conselho: “Alimentai-vos bem, porque quando o arco está muito esticado, pode partir-se”. Depois daquele longo período de reclusão e afastamento dos homens, agora Antão via, em cada coisa criada, uma revelação de Deus. Enquanto temia mais do que amava, Antão via o deserto cheio de demônios e, nos homens via um empecilho para sua união com Deus. Agora que ele amava mais do que temia, o deserto tornou-se uma revelação do Criador, e os homens passaram a ser vistos como seus irmãos e criaturas quase perfeitas do Criador. A natureza tornou-se o primeiro livro que o santo – quase iletrado – podia ler. Por isso ficava horas e horas absorvido na contemplação do deserto e via inscritos, nas rochas e na areia, na nuvem e na palmeira, grandes pensamentos, os pensamentos de Deus.
Um certo sábio de Alexandria foi ver, certo dia, o homem do deserto, que, segundo ouvira falar, era um sábio eremita. E, diante de Antão, disse-lhe: “Compreendo que um homem prefira viver afastado dos outros homens, mas não posso compreender como seja possível viver sem o conforto dos livros”. E Antão lhe respondeu: “Meu livro é o mundo de todas as coisas criadas, e quando desejo ler as palavras de Deus nele, encontro-o aberto diante de mim”. O amor havia transformado Antão. De repente, já vivendo seus últimos anos, ele compreendeu que, aquele que tem medo, vê as coisas de maneira diferente daquele que ama.
Agora Antão via em tudo a bondade, a grandeza de Deus. Tudo havia se transformado em prova do grande amor de Deus para com os homens.
Certa manhã, Antão se dirigiu à fonte para refrescar os lábios ressequidos pelo calor causticante do deserto egípcio. De repente, ele compreendeu, como se tivesse recebido uma revelação de Deus, que aquela água que bebia, era uma mensagem divina de bênção e de fertilidade. Ao voltar à sua gruta-residência, a mensagem da água tinha invadido e iluminado o seu coração. Enquanto caminhava por aquelas terras áridas, ia refletindo e compreendendo que a água, dom de Deus, podia transformar aquelas terras improdutivas em férteis campos. E assim aconteceu. É como se ele tivesse ouvido de Deus a seguinte ordem: Antão, lavra a minha terra! E ele se lembrou dos tempos de sua juventude, quando, em companhia de seu pai, lavrava a terra. Logo, obteve de alguns peregrinos, instrumentos de trabalho e sementes. Preparou o terreno, até então árido e, por meio de irrigação, que ele providenciou, cavando valetas, como ainda hoje fazem muitos agricultores, conseguiu transformar o solo árido do deserto em um pomar. Era o deserto que florescia. Duas mãos solitárias, acostumadas a se unir só para a oração, meteram a enxada no solo, semearam a semente e, assim transformaram áreas estéreis em campos de trigo. A oração solitária do homem da renúncia, fizera Antão aprender um outro tipo de oração. Sem abandonar seus colóquios com Deus, suas renúncias e mortificações, aprendera agora a cultivar a oração criadora do trabalho.
Agora, aqueles que iam ao deserto visitar o santo eremita, eram recebidos pelo lavrador de Deus, um santo que semeava e rezava, colhia o fruto de seu trabalho e cozia o seu pão; encontravam um homem que, embora idoso já de mais de cem anos, tinha ainda o vigor da juventude e dedicava-se ao trabalho, não só para comer, mas também para ajudar os irmãos, de modo particular os pobres e necessitados que o visitavam. Estes voltavam para casa com a paz no coração, e as mãos carregadas com o pão e as hortaliças que Antão produzia. E assim seus visitantes recebiam algo mais para restaurar suas forças depois de tão cansativa e pesada viagem.
Apesar de mais de oitenta anos de privações, mortificações da carne e de uma vida exposta ao sol causticante do deserto africano, seu corpo ainda se conservava ereto, o passo firme e ligeiro, os olhos claros e penetrantes, a voz poderosa e ressonante. Quando ele morreu, já com cento e cinco anos, estava ainda em plena posse de seu vigor físico; nenhuma doença, nenhum declínio de vitalidade, anunciavam o fim de sua caminhada.
Após a morte de Antão, visitando aqueles lugares onde ele tinha vivido seus últimos anos, Santo Hilário se fez acompanhar de alguns dos discípulos do santo eremita, e eles, com muita ternura iam indicando os diversos lugares onde seu mestre espiritual costumava realizar suas diversas atividades diárias: “Aqui ele cantava os salmos, ali ele se entretinha com Deus na oração. Aqui ele se dedicava ao trabalho, ali ele tomava um pouco de descanso e repouso, quando se sentia cansado. Ele mesmo plantou esta horta e estas árvores, construiu este reservatório de água para irrigação de sua horta...”
Foram os discípulos de Antão que, durante aquela visita, contaram a Santo Hilário que, certo dia, alguns burros selvagens, tendo vindo saciar a sede no reservatório construído por Antão, começaram a devastar as plantações de trigo. Antão ordenou ao primeiro animal que parasse, e lhe batendo suavemente nos quartos, com o cajado, disse-lhe: “Por que você vem comer o que não plantou?” Os animais começaram a se afastar; e a partir de então, nunca mais estragaram as plantações. Alguns biógrafos de Santo Antão vêem neste episódio, mais uma astúcia do demônio, disfarçado em animais selvagens, tentando irritar o santo eremita e roubar-lhe a paz. No entanto, Antão, o homem de Deus, sem se aborrecer, apenas conjurou aqueles burros selvagens a afastarem-se, em nome do mesmo Deus de Quem se tornara tão íntimo pela oração e a Quem servira com tanta dedicação durante toda sua vida.
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