segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Santo da Renúncia

A decisão de Antão significara completo rompimento com o passado. Nisto ele foi radical. Não fez concessões. A renúncia foi total. Às vezes não conseguimos avançar no caminho da santidade, porque fazemos concessões: concessões a costu­mes introduzidos por falsos progressos da sociedade, conces­sões a prazeres ilícitos, concessões a uma certa sociedade pa­gã, indiferente e às vezes até contrária aos ensinamentos do Evangelho.

De início, Antão se retirou a um lugar vizinho à sua aldeia, para levar vida de eremita, ou seja, vida solitária, toda consa­grada ao trabalho, à oração, e à leitura das Sagradas Escrituras.
Para realizar seu ideal, Antão necessitava dos conselhos e também do exemplo de alguém que tivesse sabedoria e experiência suficientes para ajudá-lo e guiá-lo nesta difícil caminhada que escolhera.  Perto do lugar para onde ele havia se retirado, vivia um ancião que levava vida solitária desde a sua moci­dade.  Ele fora forçado a fugir às perseguições do Império Ro­mano e vivia numa cabana não muito longe de Coma. Antão o procurou, e ele se tornou seu amigo e conselheiro.  Foi com ele que aprendeu a vencer as tentações que o perseguiram tanto a partir daquele momento.
Aquele ancião sugeriu a Antão que estivesse sempre uni­do a Deus pela oração; não ficasse ocioso, mas trabalhasse sempre; mortificasse o seu corpo, não satisfazendo os seus de­sejos sexuais desordenados; e jejuasse bastante, somente tomando o alimento necessário e suficiente para o sustento de seu corpo.
Antão obedeceu rigorosamente aos conselhos de seu amigo, levando uma vida de penitência rigorosa. Por exemplo: observava as vigílias noturnas com tal determinação, que a miúdo passava toda a noite sem dormir, e isso não só uma vez, mas muitas. Assim também comia só uma vez ao dia, depois do cair do sol; às vezes cada dois dias, e com freqüência tomava seu alimento só depois de quatro dias. Durante muito tempo sua alimentação consistia em pão e sal; como bebida tomava só água. Não necessitamos sequer mencionar carne ou vinho, porque tais coisas tampouco se encontravam entre os demais ascetas. Contentava-se em dormir sobre uma esteira, embora regularmente o fizesse sobre o simples chão. Tinha por modelo o Profeta Elias.  Foi um asceta perfeito, acabado, o tipo de asceta cristão. Asceta é aquele que treina seu corpo e seu espírito, por meio da penitência, para enfrentar e vencer as tentações, as tendências e inclinações menos no­bres do homem; é aquele que impõe a si mesmo, penitências, privações, trata com rigor o seu corpo, negando-se a satisfazer muitos dos seus desejos, não para destruí-lo, e sim para dominá-lo e fazê-lo obediente aos desejos mais nobres do homem.
Sabemos o que são cilícios: instrumentos de mortificação que muitos usaram, e alguns usam ainda hoje, para castigar, subjugar, domar o corpo rebelde, não permitindo que ele se transforme em instrumento de pecado.  Pois bem, os cilícios es­tiveram sempre presentes na vida de Antão. Na sua vida, o as­cetismo atingiu horizontes quase inatingíveis por uma criatura humana. A humildade, a pobreza, a renúncia torna­ram-se símbolos, e alcançaram uma dimensão quase heróica, de maneira que Antão, o asceta perfeito, passou para a história como um símbolo eternamente válido de abnegação universal; e possivelmente um dos personagens mais fascinantes e polêmicos da história dos santos.
Na época em que Antão resolveu levar vida de eremita, havia no Egito enormes sepulcros abandonados, que eram co­mo cavernas que podiam até oferecer um abrigo a quem não tivesse onde morar.  Nesta primeira etapa de vida solitária, Antão escolheu um desses sepulcros, dos mais afastados da cidade, e lá se recolheu, depois de pedir a um de seus amigos que, de tempos em tempos, não esquecesse de levar-lhe pão. Nessa ca­verna ele foi alvo das maiores e mais terríveis tentações do de­mônio, de tal maneira que não é possível falar da vida de Antão sem mencionar as tentações de todo tipo que perturbaram sua solidão no deserto.
Quando Antão se recolheu em uma daquelas tumbas, seu amigo fechou a entrada por fora, e assim ficou dentro, sozinho. Certa vez o demônio o açoitou tão implacavelmente que ficou lançado no chão, sem fala, pela dor. Afirmava que a dor era tão forte que os golpes não podiam ter sido infligidos por homem algum, para causar semelhante tormento. Pela Providência de Deus - porque o Senhor não abandona os que nele esperam - seu amigo chegou no dia seguinte trazendo-lhe pão. Quando abriu a porta e o viu atirado no chão, como morto, levantou-o e o levou até a Igreja da aldeia e o depositou sobre o solo. Muitos de seus parentes e da gente da aldeia sentaram-se em volta de Antão como para velar um cadáver. Mas, pela meia-noite, Antão recobrou os sentidos e despertou. Quando viu que todos estavam dormindo e o seu amigo se achava acordado, fez-lhe sinais para que se aproximasse e pediu-lhe que o levantasse e levasse de novo para os sepulcros, sem despertar ninguém. 
O homem levou-o de volta, a porta foi trancada como antes e de novo ficou dentro, sozinho. Pelos golpes recebidos, estava demasiado fraco para manter-se de pé; orava então, estendido no solo. Terminada sua oração, gritou: "Aqui estou eu, Antão, que não me acovardei com teus golpes, e ainda que mais me dês, nada me separará do amor de Cristo” (Rm 8,35). E começou a cantar: "Se um exército se acampar contra mim, meu coração não temerá" (Sl 26,3). As forças do mal lançaram contra ele todo seu poder para fazê-lo desistir.  Antão sustentou uma luta corpo a corpo com os espíritos do mal.  Com a graça e o poder de Deus, o jovem egípcio foi o vencedor. A cada tentação, po­rém, a cada ataque, Antão respondia com penitência mais rigo­rosa. Durante aproximadamente 16 anos foi terrivelmente tentado. Sabia que Deus estava com ele, porém não sentia, não experimentava a sua presença.  O tentador se apre­sentava ora sob forma humana, ora sob forma de animais e fe­ras: eram belas e sedutoras jovens que se apresentavam diante dele, oferecendo-lhe seus carinhos, e dispostas a satisfazer os seus desejos, fazendo lembrar as que ele conhecera quando ainda vivia na aldeia. Porém, Antão continuava firme e com mais rigor castigava o corpo, seguindo os conselhos do velho amigo. Tendo aprendido nas Escrituras quão diversos são os enganos do maligno (Ef 6,11), praticou seriamente a vida ascética e resolveu acostumar-se a um modo mais austero de vida. Mortificou seu corpo sempre mais, e o sujeitou, para não acontecer que, tendo vencido numa ocasião, perdesse em outra. O demônio, não satisfeito com o procedimento de Antão, arre­messava-se contra ele, e o atacava disfarçado em animais sil­vestres furiosos. Antão mal escapava com vida, porém, não de­sistia.
Por fim, depois de muitas lutas, tentações, sofrimentos, Antão teve uma visão confortadora.  Numa de suas lutas para se libertar de uma investida do tentador, de re­pente, viu-se cercado por um glorioso esplendor de luz radiante, que descia no meio das trevas do túmulo.  Erguendo os olhos, viu o teto abrir-se aparentemente e, de súbito, ele foi atingido por aquele raio de luz. As tentações cessaram, como se os demô­nios sumissem apavorados, as dores desapareceram. Logo Antão compreendeu que naquele raio de luz estava o seu Sal­vador que vinha libertá-lo. E, àquela altura, já calmo e cheio de paz, perguntou: "Onde estáveis vós, Senhor meu Jesus?  Por que não viestes mais cedo para me ajudar?"  E uma voz, saindo da luz, respondeu: "Eu estava aqui mesmo, Antão, perto de ti, todo o tempo.  Eu estava a teu lado e vi a tua luta, mas quis contemplar a tua coragem, e desde que enfrentaste com bravu­ra o teu inimigo, sempre haverei de proteger-te, e tu serás famo­so em toda a terra”. Ouvindo isto, Antão levantou-se, orou e ficou tão fortalecido que sentiu seu corpo mais vigoroso que antes. Tinha por aquele tempo uns trinta e cinco anos de idade.
De fato, Antão ficou famoso pelos terríveis combates que travou contra o demônio e pelas grandes penitências que se impôs a si mesmo, a fim de vencer aqueles combates e, com justiça, ficou conhecido como o Santo da Renúncia.

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