A decisão de Antão significara completo rompimento com o passado. Nisto ele foi radical. Não fez concessões. A renúncia foi total. Às vezes não conseguimos avançar no caminho da santidade, porque fazemos concessões: concessões a costumes introduzidos por falsos progressos da sociedade, concessões a prazeres ilícitos, concessões a uma certa sociedade pagã, indiferente e às vezes até contrária aos ensinamentos do Evangelho.
De início, Antão se retirou a um lugar vizinho à sua aldeia, para levar vida de eremita, ou seja, vida solitária, toda consagrada ao trabalho, à oração, e à leitura das Sagradas Escrituras.
Para realizar seu ideal, Antão necessitava dos conselhos e também do exemplo de alguém que tivesse sabedoria e experiência suficientes para ajudá-lo e guiá-lo nesta difícil caminhada que escolhera. Perto do lugar para onde ele havia se retirado, vivia um ancião que levava vida solitária desde a sua mocidade. Ele fora forçado a fugir às perseguições do Império Romano e vivia numa cabana não muito longe de Coma. Antão o procurou, e ele se tornou seu amigo e conselheiro. Foi com ele que aprendeu a vencer as tentações que o perseguiram tanto a partir daquele momento.
Aquele ancião sugeriu a Antão que estivesse sempre unido a Deus pela oração; não ficasse ocioso, mas trabalhasse sempre; mortificasse o seu corpo, não satisfazendo os seus desejos sexuais desordenados; e jejuasse bastante, somente tomando o alimento necessário e suficiente para o sustento de seu corpo.
Antão obedeceu rigorosamente aos conselhos de seu amigo, levando uma vida de penitência rigorosa. Por exemplo: observava as vigílias noturnas com tal determinação, que a miúdo passava toda a noite sem dormir, e isso não só uma vez, mas muitas. Assim também comia só uma vez ao dia, depois do cair do sol; às vezes cada dois dias, e com freqüência tomava seu alimento só depois de quatro dias. Durante muito tempo sua alimentação consistia em pão e sal; como bebida tomava só água. Não necessitamos sequer mencionar carne ou vinho, porque tais coisas tampouco se encontravam entre os demais ascetas. Contentava-se em dormir sobre uma esteira, embora regularmente o fizesse sobre o simples chão. Tinha por modelo o Profeta Elias. Foi um asceta perfeito, acabado, o tipo de asceta cristão. Asceta é aquele que treina seu corpo e seu espírito, por meio da penitência, para enfrentar e vencer as tentações, as tendências e inclinações menos nobres do homem; é aquele que impõe a si mesmo, penitências, privações, trata com rigor o seu corpo, negando-se a satisfazer muitos dos seus desejos, não para destruí-lo, e sim para dominá-lo e fazê-lo obediente aos desejos mais nobres do homem.
Sabemos o que são cilícios: instrumentos de mortificação que muitos usaram, e alguns usam ainda hoje, para castigar, subjugar, domar o corpo rebelde, não permitindo que ele se transforme em instrumento de pecado. Pois bem, os cilícios estiveram sempre presentes na vida de Antão. Na sua vida, o ascetismo atingiu horizontes quase inatingíveis por uma criatura humana. A humildade, a pobreza, a renúncia tornaram-se símbolos, e alcançaram uma dimensão quase heróica, de maneira que Antão, o asceta perfeito, passou para a história como um símbolo eternamente válido de abnegação universal; e possivelmente um dos personagens mais fascinantes e polêmicos da história dos santos.
Na época em que Antão resolveu levar vida de eremita, havia no Egito enormes sepulcros abandonados, que eram como cavernas que podiam até oferecer um abrigo a quem não tivesse onde morar. Nesta primeira etapa de vida solitária, Antão escolheu um desses sepulcros, dos mais afastados da cidade, e lá se recolheu, depois de pedir a um de seus amigos que, de tempos em tempos, não esquecesse de levar-lhe pão. Nessa caverna ele foi alvo das maiores e mais terríveis tentações do demônio, de tal maneira que não é possível falar da vida de Antão sem mencionar as tentações de todo tipo que perturbaram sua solidão no deserto.
Quando Antão se recolheu em uma daquelas tumbas, seu amigo fechou a entrada por fora, e assim ficou dentro, sozinho. Certa vez o demônio o açoitou tão implacavelmente que ficou lançado no chão, sem fala, pela dor. Afirmava que a dor era tão forte que os golpes não podiam ter sido infligidos por homem algum, para causar semelhante tormento. Pela Providência de Deus - porque o Senhor não abandona os que nele esperam - seu amigo chegou no dia seguinte trazendo-lhe pão. Quando abriu a porta e o viu atirado no chão, como morto, levantou-o e o levou até a Igreja da aldeia e o depositou sobre o solo. Muitos de seus parentes e da gente da aldeia sentaram-se em volta de Antão como para velar um cadáver. Mas, pela meia-noite, Antão recobrou os sentidos e despertou. Quando viu que todos estavam dormindo e o seu amigo se achava acordado, fez-lhe sinais para que se aproximasse e pediu-lhe que o levantasse e levasse de novo para os sepulcros, sem despertar ninguém.
O homem levou-o de volta, a porta foi trancada como antes e de novo ficou dentro, sozinho. Pelos golpes recebidos, estava demasiado fraco para manter-se de pé; orava então, estendido no solo. Terminada sua oração, gritou: "Aqui estou eu, Antão, que não me acovardei com teus golpes, e ainda que mais me dês, nada me separará do amor de Cristo” (Rm 8,35). E começou a cantar: "Se um exército se acampar contra mim, meu coração não temerá" (Sl 26,3). As forças do mal lançaram contra ele todo seu poder para fazê-lo desistir. Antão sustentou uma luta corpo a corpo com os espíritos do mal. Com a graça e o poder de Deus, o jovem egípcio foi o vencedor. A cada tentação, porém, a cada ataque, Antão respondia com penitência mais rigorosa. Durante aproximadamente 16 anos foi terrivelmente tentado. Sabia que Deus estava com ele, porém não sentia, não experimentava a sua presença. O tentador se apresentava ora sob forma humana, ora sob forma de animais e feras: eram belas e sedutoras jovens que se apresentavam diante dele, oferecendo-lhe seus carinhos, e dispostas a satisfazer os seus desejos, fazendo lembrar as que ele conhecera quando ainda vivia na aldeia. Porém, Antão continuava firme e com mais rigor castigava o corpo, seguindo os conselhos do velho amigo. Tendo aprendido nas Escrituras quão diversos são os enganos do maligno (Ef 6,11), praticou seriamente a vida ascética e resolveu acostumar-se a um modo mais austero de vida. Mortificou seu corpo sempre mais, e o sujeitou, para não acontecer que, tendo vencido numa ocasião, perdesse em outra. O demônio, não satisfeito com o procedimento de Antão, arremessava-se contra ele, e o atacava disfarçado em animais silvestres furiosos. Antão mal escapava com vida, porém, não desistia.
Por fim, depois de muitas lutas, tentações, sofrimentos, Antão teve uma visão confortadora. Numa de suas lutas para se libertar de uma investida do tentador, de repente, viu-se cercado por um glorioso esplendor de luz radiante, que descia no meio das trevas do túmulo. Erguendo os olhos, viu o teto abrir-se aparentemente e, de súbito, ele foi atingido por aquele raio de luz. As tentações cessaram, como se os demônios sumissem apavorados, as dores desapareceram. Logo Antão compreendeu que naquele raio de luz estava o seu Salvador que vinha libertá-lo. E, àquela altura, já calmo e cheio de paz, perguntou: "Onde estáveis vós, Senhor meu Jesus? Por que não viestes mais cedo para me ajudar?" E uma voz, saindo da luz, respondeu: "Eu estava aqui mesmo, Antão, perto de ti, todo o tempo. Eu estava a teu lado e vi a tua luta, mas quis contemplar a tua coragem, e desde que enfrentaste com bravura o teu inimigo, sempre haverei de proteger-te, e tu serás famoso em toda a terra”. Ouvindo isto, Antão levantou-se, orou e ficou tão fortalecido que sentiu seu corpo mais vigoroso que antes. Tinha por aquele tempo uns trinta e cinco anos de idade.
De fato, Antão ficou famoso pelos terríveis combates que travou contra o demônio e pelas grandes penitências que se impôs a si mesmo, a fim de vencer aqueles combates e, com justiça, ficou conhecido como o Santo da Renúncia.
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